Relação Comparativa - Direito Hindu e Direito Muçulmano
Amanda Muniz Oliveira*
Introdução
Existem nos países africanos e asiáticos diversos sistemas de direitos que não se baseiam no direito europeu. Tais sistemas possuem um fundamento religioso e são de difícil compreensão para os ocidentais, já acostumados as regras e lógicas dos sistemas romanistas. Dois destes sistemas foram destacados neste trabalho para análise, o sistema Hindu e o Muçulmano.
Os sistemas Hindu e Muçulmano possuem como semelhança o fato de que não há distinção entre direito e religião. O direito é da comunidade de fiéis que professam determinada fé – não é o direito de um país em si, mas de um povo que segue os mesmos dogmas sagrados.
Descrição
Tanto o direito hindu quanto o direito muçulmano são direitos da comunidade religiosa.
Isto implica que os adeptos de tais religiões seguem esses sistemas jurídicos, independente de onde se encontrem.
A religião Hindu é politeísta exercida sem o intermédio de um sacerdote –0 cada indivíduo dialoga com seus deuses. Ela impõe aos fiéis uma forma de concepção do mundo e das relações sociais, baseada na existência de castas. As regras de comportamento aparecem como princípios religiosos que substituem as normas jurídicas e aparecem em antigos textos sagrados. A interpretação de tais textos origina uma abundante literatura, dentro da qual encontramos algumas regras jurídicas, sob o nome de Dharmasâstra.
Durante a colonização britânica na Índia, o direito Hindu se manteve preservado. No entanto, o desenvolvimento político e econômico do país em 1947 trouxeram complexos problemas de adaptação.
A religião islâmica, por sua vez, é monoteísta e propõe a submissão completa ao deus árabe Al Jlah – ou Alá. Não possui um clero, mas sim diretores de orações, pregadores de serviço religioso e arautos que anunciam a hora da oração. Maomé é o seu profeta e o último dos enviados de Alá. A religião islâmica tomou muitos empréstimos de religiões como o judaísmo e o cristianismo. Suas regras de conduta se baseiam em textos sagrados como a Char’ia – que inclui o que conhecemos por direito e as tradições religiosas – e o Figh.
Embora em tese o Figh seja imutável, ele é flexível e permite uma contextualização social e política dos dias atuais. Os países muçulmanos adotam sistemas jurídicos ocidentais, mas procuram principalmente islamizar as instituições européias que lhes são úteis.
A palavra “Direito”
A palavra direito no idioma sânscrito - uma língua da Índia, com uso litúrgico no Hinduísmo – é inexistente. Além das diferenças culturais e religiosas, percebe-se que mesmo em termos lingüísticos a noção de direito hinduísta diverge da noção ocidental. A palavra mais próxima a direito encontrada no idioma sânscrito é a palavra dharma, que significa dever.
De fato,o dharma é tido como um conjunto de regras que o homem deve seguir em razão de sua condição social. São regras morais, jurídicas, civis e religiosas.
O direito para os muçulmanos é uma das faces da religião. Assim, para eles, a ciência do direito é como uma árvore: as quatro fontes são as raízes, a Lei revelada é o tronco e os ramos são as soluções especiais deduzidas da Lei revelada.[1]
As Fontes do Direito
Como se tratam de direitos religiosos, suas fontes são basicamente os textos sagrados, a tradição, o costume e a analogia.
No caso Hindu, o direito, ou dharma – dever, possui três principais fontes: o Veda, a tradição e o costume.
O Veda é a soma de todas as verdades religiosas ou morais – é o conhecimento em si. Ele é revelado a eleitos que recebem a revelação – sruti – e registram alguns de seus preceitos. Os sruti são textos sagrados que contêm quatro recolhas chamadas Veda – nota-se que Vedas possui dois significados: o de conhecimento e o de livro. Essas recolhas possuem poucas regras de conduta, mas sobretudo relações de fatos.
As regras de conduta são regidas pelos Dharmasastra, conjunto de livros que se aproximam dos nossos livros de direito. A principal fonte do direito Hindu, no entanto, é o costume. Este, completa preceitos dos livros sagrados e variam de acordo com cada casta e região.
Para os muçulmanos, a Char’ia, o que conhecemos como direito, compreende as regras de conduta social e religiosa. A sanção é o pecado, o que o torna inaplicável aos fiéis. Suas fontes são o Alcorão, a Sunna (tradição), o Idjma e a analogia.
O Alcorão é o livro sagrado muçulmano, o qual narra as revelações de Alá ao profeta Maomé. Não trata apenas de Direito, mas de histórias, filosofias e regras respeitantes aos rituais. O Figh é um conjunto de direitos e deveres do homem, que trata das penas e recompensas espirituais. É uma ciência das normas criada a partir de dedução lógica das quatro fontes da Char’ia.
A Sunna (tradição) compreende os atos e comportamentos do profeta Maomé. Pode ser comparada aos Evangelhos Cristãos. O Idjma é o acordo da comunidade muçulmana com determinadas normas. Se este acordo é atingido, não pode mais ser contestado pois diz o profeta “A minha comunidade nunca chegará a acordo sobre um erro.” A analogia é tudo o que pode ser deduzido do Alcorão e da Sunna pelo raciocínio.
O costume e a lei, no sentido ocidental do termo, também constituem um importante papel no direito islâmico. As leis são válidas e obrigatórias desde que não contradigam a Char’ia.
Situações polêmicas no mundo hindu e no mundo muçulmano
A religião Hindu consagra a desigualdade social, afirmando que cada indivíduo possui um lugar predestinado na sociedade. Assim, aquele que nasce pobre deve conformar-se a sua condição e reconhecer o seu lugar, pois foi este o desejo divino.“A divisão dos Hindus em castas, com ocupações fixadas, existia desde os tempos mais remotos. Alguns supõem que teve sua origem na conquista, sendo as três primeiras castas compostas de uma raça estrangeira, que subjugou os naturais do país e os reduziu a uma casta inferior. Outros atribuem o fato à vontade de perpetuar, pela transmissão de pai a filho, certos ofícios ou profissões.” (BULFINCH, 2005)
Hierarquicamente, as castas são: os brâmanes, encarregados do ensino e dos sacrifícios; os Chátrias, os guerreiros; os Vaissias, empresários e comerciantes e os Sudras que são os camponeses.
Há uma classe inferior à dos sudras na cultura indiana. Ela é formada através de uniões ilícitas entre indivíduos de classes diferentes. Estes são os parias – ou dalits –, empregados nos serviços chamados impuros – como limpar banheiros e cuidar dos mortos. São considerados impuros e capazes de tornar impuro tudo o que tocam, mesmo com a sombra. São privados de todos os direitos civis, não têm permissão de entrar nos templos de outras castas e nem em casas de pessoas de casta diferente. É a única classe que não sofre restrições à alimentação, pois é dito que estão tão degradados que coisa alguma pode poluí-los.
Embora o sistema de castas esteja abolido da Constituição indiana, o costume permanece e os parias ainda hoje sofrem grande marginalização. O governo indiano realiza campanhas para promover a inclusão social, estimulando com prêmios casamentos entre castas e proporcionando aos dalits o direito à educação e ao mercado de trabalho. Os parias já realizaram algumas importantes conquistas e alguns deles participam da política , como a governadora do estado de Uttar Pradesh, Mayawati, uma dalit. Mas avanços maiores ainda precisam ser realizados.
“Nem a independência em 1947, nem a Constituição de 1950, que deu a Índia um modelo de República Federativa puderam superar uma tradição fundada na religião e no costume” (GILISSEN, 2001)
Na sociedade muçulmana, há uma grande opressão feminina. Embora não haja nenhum escrito que explicite a inferioridade da mulher - diferentemente dos hindus, que aprendem de acordo com as escrituras que os parias devem ser subjugados - em alguns grupos muçulmanos ela é assim tratada. O Afeganistão, por exemplo, foi dominado e, 1996 por um grupo islamita denominado Talibã. Seguidores da religião muçulmana, este grupo extremista comete diversas atrocidades baseadas na distorção da tradição islâmica. Líder de um dos governos mais repressores do mundo atual, o Talibã tem violado todas as regras básicas de direitos humanos: casas são incendiadas, civis são assassinados, crianças servem o serviço militar e o tráfico de heroína é largamente praticado para obtenção de lucros. As mulheres são submetidas a um regime radical e são completamente inexpressivas. É importante ressaltar que as interpretações impostas pelo Talibã não são aceitas em todo o mundo muçulmano. Suas palavras e ações deturpam o islamismo.
Em relação a outras religiões, o Talibã é intolerante. Destruiu estátuas de Buda em Bamiyan e proibiu que qualquer cidadão empinasse pipas – práticas realizadas em rituais hindus. Em maio de 2001, foi decretado que os seguidores de outras religiões usassem um símbolo amarelo como identificação. Posteriormente, os hindus foram obrigados a se identificarem através de uma carteira de identidade especial.
Conclusão
O oriente, ainda hoje, está fechado para nossos costumes, leis e tradições ocidentais. Seus sistemas jurídicos e políticos ainda tomam a religião como base. Os sistemas hindus e muçulmanos possuem como semelhança este embasamento religioso; porém, ambos se agridem de forma mútua. É importante ressaltar que, por mais estranhos que tais sistemas nos parecem, não cabe a nós, ocidentais, ditar o que é certo ou que é errado; muito menos adotar uma visão etnocêntrica e nos considerar superiores a estes indivíduos. Por outro lado, questões delicadas como o caso dos parias hindus – preconceito estabelecido por tradições legais - e do radicalismo do talibã não devem ser ignoradas – enquanto o mundo luta para achar uma resposta para assuntos tão polêmicos, devemos sempre ter em mente que não cabe a nós impor uma ideologia que nos parece certa.
Bibliografia:
POWER, Carla. (2000) Pobres reagem à discriminação na Índia: Vítimas do sistema de castas que domina o país, os assim chamados dalits vivem como uns fantasmas.
https://www1.an.com.br/2000/jul/07/0mun.htm Acesso em 31 mai. 2009, às 15:50.
Rawa (2001) RAWA – Associação revolucionária das mulheres no Afeganistão.
https://www.midiaindependente.org/pt/blue/2001/11/10317.shtml Acesso em 31 mai. 2009, às 15:54.
Escritório de Programas Internacionais de Informação do Departamento de Estado dos EUA – A Rede de terrorismo.
https://terrorismo.embaixada-americana.org.br/06.htm Acesso em 31 mai. 2009, às 16:04 .
Escritório de Programas Internacionais de Informação do Departamento de Estado dos EUA – A traição do Talibã ao povo afegão (2001)
https://terrorismo.embaixada-americana.org.br/?action=artigo&idartigo=197 Acesso em 31 mai. 2009, às 16:06.
RÊGO, Fausto. Dalits gritam por direitos humanos. (2004)
https://alainet.org/active/5358&lang=pt