Oração aos Moços - Análise Crítica
Amanda Muniz Oliveira *
1. Referência bibliográfica
BARBOSA, Rui. Oração aos moços. 5 ed. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 1999.
2. Apresentação do autor
Ruy Barbosa nasceu a 5 de novembro de 1849, em Salvador, Bahia. Filho do médico João José Barbosa de Oliveira e de dona Maria Adélia Barbosa de Almeida, aos cinco anos já era considerado um talento por seu professor: em quinze dias, aprendeu análise gramatical, distinção de orações e a conjugação de todos os verbos regulares. Aos onze anos, recebeu uma medalha de ouro do Arcebispo da Bahia. Em 1870 graduou-se como bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo e retornou à Bahia, advogando pela primeira vez no ano seguinte. Assumiu a direção do jornal Diário da Bahia e foi eleito deputado à Assembléia da Corte. Liberal convicto, rejeitou o convite para integrar o Gabinete Ouro Preto durante o segundo reinado e posteriormente foi Ministro da Fazenda no Governo de Deodoro da Fonseca. Membro fundador da Academia Brasileira de Letras, atuou também como tradutor, filólogo, orador, diplomata e escritor deixando sua marca na história brasileira.
3. Perspectiva Teórica da Obra
A obra literária de Rui Barbosa é marcada por ideais abolicionistas, republicanos e liberais. Uma das maiores mentalidades do Brasil, com vida dedicada ao Direito e à Política, Rui é o grande exemplo de orador, político, jornalista, literato e sábio. Suas obras estão classificadas na terceira geração romântica, ou geração Condoreira, que tinha por característica principal o engajamento pelas causas sociais.
Impetuoso, vibrante, dotado de extraordinário poder de expressão, foi um exemplo de revolucionário liberal. Suas obras são impregnadas de ideologias voltadas para a ética e para a moral.
4. Síntese da obra
O discurso “Oração aos moços” foi escrito por Rui Barbosa em 1920, aos formandos do curso de Direito da Faculdade de São Paulo.
No primeiro momento, Barbosa escreve sobre a distância, pois, por motivos de saúde, ele não pode comparecer pessoalmente á solenidade. Através de uma linguagem poética, o autor demonstra que está junto aos estudantes, de uma forma metafísica. A isso ele chama de milagre; milagre do maior dos taumaturgos. De acordo com Barbosa, o coração enxerga com os olhos da alma, vê ao longe, vê em ausência, vê no invisível e até no infinito.
O discurso prossegue, narrando a trajetória do autor. Seu longo tempo laborioso na República Velha, seu desempenho como advogado, seus costumes, seus princípios morais, enfim, sua vida de Homem que sempre procurou fazer o bem. Barbosa expressa suas idéias a respeito do trabalho, estudo, ociosidade e perseverança – formas de crescimento ou atraso.
Barbosa disserta ainda sobra a política do Brasil – na época, oligarquias estaduais. Por fim, várias recomendações são feitas aos bacharelandos em Direito: futuros advogados e juízes. O autor trata da conduta profissional, moral e social dessas profissões, a fim de que os estudantes, uma vez exercendo profissões, contribuam para o desenvolvimento da nação e para promoção da justiça.
5. Principais teses desenvolvidas na obra
Tese 01: “Quando se está mais para fora da vista dos olhos, então (e por isso mesmo) é que mais à vista do coração estamos.” (pág 12).
Implicação: O autor trata da distância. Contradizendo um provérbio popular (“Longe da vista, longe do coração” – pág.12), Barbosa afirma que estar distante geograficamente não significa ausência de sentimento. É possível estar presente através da presença interior , da “segunda vista” – a chamada “visão do coração”.
Tese 02: “Bem pode haver ira, sem haver pecado e às vezes poderá haver pecado se não houver ira: porquanto a paciência, e silêncio, fomenta a negligência dos maus, e tenta a perseverança dos bons.” (págs. 18 e 19).
Implicação: Seguindo a linha do discurso, surge o apelo contra a indolência, o ver o errado e não agir contra este. Barbosa deseja incitar os ouvintes e leitores a lutar contra as injustiças. A recomendação a qual dedica várias páginas e argumentos – inclusive bíblicos – se resume a não permitir que o injusto lese o homem, cidadão. A ira é tratada como ação, ou seja, aquele que não evita e nem corrige o erro é um pecador. O bem é visto como virtude suprema a ser buscada durante toda a vida – é preciso ser atento e manso, saber usar a ira. O momento certo de revolta contra a maldade precisa ser descoberto em cada situação. Barbosa centra seu discurso em torno de princípios de caridade e luta por justiça.
Tese 03: “Quem senão ela (a ira divina) há de expulsar do templo o renegado, o blasfemo, o profanador, o simoníaco? Quem senão ela, irá exterminar da ciência o apedeuta, o plagiário, o charlatão? Quem senão ela há de banir da sociedade o imoral, o corrupto, o libertino? Quem senão ela, há de varrer dos serviços do Estado o prevaricador, o concursionário e o ladrão público? Quem, senão ela, há de precipitar do governo o negocismo, a prostituição política, ou a tirania? Quem, senão ela, a cólera do celeste inimiga dos vendilhões e dos hipócritas? A cólera do justo, crucifixo entre ladrões! A cólera do verbo da verdade.” (págs 20 e 21)
Implicação: Neste fragmento nota-se a força empregada nos argumentos contra a indiferença social e política através da ira. Caracterizada como algo positivo,ela é a única capaz de nos fazer agir contra os abusos a nós impostos .
Tese 04: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade.” (pág 26).
Implicação: A principal idéia implícita nesta passagem é a de igualdade. Tratar com desigualdade a iguais ou a desiguais com igualdade, é uma injustiça. Todos os seres são diferentes, possuem características específicas, necessidades peculiares e distintas. A massificação, a padronização das necessidades não é benéfica, uma vez que cada caso é um caso diferente, peculiar – de fatos e momentos únicos jamais igualados.
Tese 05: “O trabalho é um dos recursos mais poderosos na criação moral do homem. O trabalho é o inteirar, o desenvolver, o apurar das energias do corpo e do espírito, mediante ação contínua de cada um sobre si mesmo e sobre o mundo onde labutamos” (págs. 26 e 27)
Implicação: Barbosa procura demonstrar que a ociosidade desagrada e empobrece – a oração do ocioso não é ouvida. O trabalho é a essência do homem; desenvolve a moral, a ética e o torna digno de chamar-se cidadão.
Tese 06: “Os melhores trabalhadores são os melhores madrugadores, assim como os melhores estudiosos” (pág. 31)
Implicação: O madrugar para estudar e trabalhar é pregado por Barbosa como meio de realização profissional. Mas o madrugar precisa ser acompanhado do pensar. “Um sabedor não é um armário de sabedoria armazenada, mas transformador reflexivo de aquisições digeridas.” (BARBOSA, 1999, pág.32) Vulgar é o ler, raro é o refletir. Com esses dizeres, procura encorajar os estudantes de direito a não apenas adquirirem o conhecimento, mas refleti-lo e praticá-lo sempre que possível.
Tese 07: “Ora, senhores bacharelandos, pesai bem que vós ides consagrar à lei, num país onde a lei absolutamente não exprime o consentimento da maioria, onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis, as que põem, e dispõe, as que mandam, e desmandam em tudo; a saber: num país, onde, verdadeiramente, não há lei, não o há, moral, política ou juridicamente falando.” (págs. 35 e 36)
Implicação: Barbosa critica o Brasil de sua época, dominado por oligarquias estaduais que monopolizavam o poder. O ambiente social e jurídico da época é governado pelos ricos, que dominam as estruturas sociais e os humildes. Por isso, é importante que cada futuro jurista aplique a lei analisando cada caso com retidão. Isso atenuaria os erros da lei, segundo o autor.
Tese 08: “Meus amigos, é para colaborardes em dar existência a essas duas instituições que hoje saís daqui habilitados. Magistrados ou advogados sereis. São carreiras quase sagradas, inseparáveis uma da outra, e, tanto uma como a outra, imensas em nas dificuldades, responsabilidades e utilidades.” (págs. 37 e 38)
Implicação: O autor encerra seu texto com a consideração sobre as carreiras jurídicas. Sobre a magistratura, escreve que é a mais eminente das profissões e critica a lentidão dos juizes. Barbosa adverte os estudantes sobre o medo, presunção, severidade e sobre os pré-julgamentos. Sobra a advocacia, escreve que são os defensores do direito, da verdade e da justiça, devendo atuar sempre sob a égide da moral e da ética.
6. Avaliação crítica da obra:
Oração aos moços é um discurso que foi escrito e proferido em 1920. Seu conteúdo, no entanto, pode ser perfeitamente retomado nos dias atuais. Rui Barbosa descreve em uma linguagem poética, as bênçãos e maldições da carreira jurídica brasileira.
Na época em que o texto foi escrito, o Brasil era outro – bem como sua política e sua justiça. A república dava seus primeiros passos e o cenário mundial ainda estava perturbado pela 1ª Guerra Mundial. Esses fatores sem dúvida contribuíram para a escrita de Rui Barbosa. Mas não foram fatores determinantes, além do que algumas estruturas políticas e judiciárias não estão muito diferentes. Há corrupção em todas as esferas do poder; votos ainda podem ser comprados; juristas intimidam cidadãos; a injustiça não está extinta e o humilde é subjugado pelo poderoso. Tais fatos vergonhosos aparecem na obra – e são duramente criticados.
A essência humanitária desta obra inspira não apenas estudantes de Direito, mas pessoas de diversos níveis educacionais. Os princípios e ensinamentos nele contidos são capazes de despertar um senso crítico-reflexivo que nos faz rever a nossa condição de detentores de direitos, dos quais muitas vezes abrimos mão.
Bibliografia complementar:
(TAVARES, Osvaldo Hamilton. (2003)
Vida e obra de Rui Barbosa. https://www.apmp.com.br/juridico/artigos/docs/2003/cult/03-20g_osvaldohamiltontavares.doc Acesso em: 12 mai. 2009, às 19:28.).
(MILETTO, Denise. (2009) 3ª Geração Romântica: Condoreira. https://denisemiletto.blog.terra.com.br/2009/04/12/3%C2%AA-geracao-romantica-condoreira/ Acesso em: 12 mai. 2009, às 19:30).
*Graduanda do curso de Direito das Faculdades Santo Agostinho.